8 de março: três vozes, três perspectivas
A CCIFB-SP convidou três mulheres ligadas ao ecossistema francês para comentar sobre suas experiências, o que desejam e o que destacam neste Dia Internacional da Mulher
Ser mulher em 2024 é transitar por um cenário de desafios, conquistas e transformações profundas. De diferentes gerações e trajetórias, três mulheres ligadas à Câmara de Comércio França-Brasil de São Paulo e ao ecossistema franco-brasileiro compartilham suas experiências. Elas destacam as batalhas cotidianas e a luta por igualdade e reconhecimento, mas também as vitórias conquistadas com esforço e determinação.
Béatrice Mayence: “a sororidade traz avanços”
Béatrice Mayence é Executive Coach para International C-Level/ CEO/ Empreendedores e board member da French Tech São Paulo. Diante da pergunta sobre como vê o 8 de março, a resposta veio rápida: “ainda há muito a ser feito, pois muitas mulheres não ocupam o lugar que merecem e precisam ter na sociedade”. Apesar de serem lembradas várias vezes ao ano em datas como Dia das Mães, da Secretária ou dos Professores, o Dia da Mulher é que traz reflexões importantes sobre os desafios contemporâneos. “Celebramos as conquistas, o que é importante, é claro, mas temos, também, de reconhecer como elas se deram e se dão em meio a mulheres de origens, lutas, épocas e questões tão diferentes. Para mim, a data é uma homenagem a essas várias dimensões da experiência feminina.”
Nos últimos anos, Béatrice percebe que a área em que atua, relacionada à tecnologia, vem ganhando presença cada vez maior de mulheres em posições-chave. “Tenho visto muitas se destacando como especialistas, o que é ótimo. Acredito que essa conquista seja fruto, em grande parte, do apoio mútuo feminino. Quando mães, empreendedoras, trabalhadoras, investidoras ou integrantes de quaisquer outros grupos se unem, conseguimos avançar com força em diversas direções”, reflete.
Francesa, há 20 anos morando no Brasil, Béatrice aponta a sororidade como uma característica marcante por aqui. Para ela, esse é o caminho para reduzir a desigualdade entre homens e mulheres. Ela destaca, também, o olhar incentivador das brasileiras que ocupam posição de liderança no Brasil. “Admiro o cuidado que essas líderes têm em relação às outras mulheres, especialmente àquelas da periferia, que geralmente têm menos oportunidades de estudo e trabalho. Um gesto ou palavra de incentivo pode fazer a diferença, acolhendo-as e encorajando-as a ter um olhar mais positivo e confiante consigo mesmas”, acrescenta.
Thais Máximo: “nossas conquistas ainda são básicas”
Thais Alves Máximo é presidente da ONG (organização não-governamental) franco-brasileira Arca, que oferece oportunidades em educação para crianças, jovens e adultos da comunidade da Vila Prudente, na zona leste da capital paulista. Ela lembra que muitas das conquistas femininas são recentes. O acesso à educação, ao trabalho, ao voto, ao divórcio e até mesmo à prática de alguns esportes, entre outros exemplos, ainda não se estendem a mais do que duas gerações de mulheres. Segundo ela, o que muda para os dias de hoje é a consciência de que esses direitos são básicos demais. “Temos muito o que comemorar? Sim. Mas já reivindicamos transformações mais profundas e que realmente façam diferença na sociedade. A questão do trabalho doméstico, por exemplo, só agora entra em pauta – não sem levantar grandes debates, como aconteceu quando foi tema da redação do Enem no ano passado”, afirma. “Temos, ainda, muita coisa pela frente rumo à equidade de gênero. Conseguimos um ponto de partida razoável e agora precisamos aprofundar outras questões.”
À frente da Arca desde 2020, Thais lembra que a maioria das ONGs nasce do trabalho de mulheres. “No nosso caso, somos fruto da iniciativa de uma religiosa francesa que morava na favela, e que, diante daquela situação de vulnerabilidade, de precariedade de muitas moradoras, resolveu criar um ateliê de costura para ensiná-las a costurar e vender seus produtos. Então, o que aconteceu foi que as mulheres começaram a aprender, mas, claro, todas elas tinham filhos e não demorou para que surgisse a necessidade de encontrar pessoas para cuidar deles. E foi assim, promovendo o empoderamento feminino e a independência financeira de mulheres, que a ARCA nasceu.” Atualmente, cerca de 100 famílias são atendidas no Centro Socioeducativo da ONG. Entre as crianças, 57% são meninas. Já no Centro Profissional de Inclusão Produtiva, a ARCA do Crescer, as mulheres são 69% do grupo que busca uma especialização.
A educação e as políticas públicas, aliás, são apontadas por Thais como fundamentais para transformar a vida das mulheres. “Não me refiro apenas à instrução e à escolaridade, mas também à conscientização dos direitos das mulheres e ao seu papel na sociedade. As políticas públicas são essenciais para garantir que esses direitos sejam respeitados e para oferecer suporte em áreas como cuidado infantil, trabalho, violência de gênero, direito reprodutivo e divórcio”, ressalta. O resultado dessas iniciativas é o empoderamento e a equidade de gênero, apontadas por ela como cruciais, já que a presença feminina em determinados espaços serve de referência e inspiração para outras mulheres. “Quanto mais elas ocupam lugares que antes eram dominados por homens, mais se tornam protagonistas das mudanças necessárias para alcançar a equidade de gênero”, finaliza.
Anna Martin: “Ainda temos muitas armadilhas pelo caminho”
Para Anna Martin, Community Leader da French Tech São Paulo – Câmara de Comércio França-Brasil, o dia 8 de março não é um dia romântico: é um dia político e de resistência nos quatros cantos do mundo.
“As mulheres frequentemente enfrentam dificuldades no mercado de trabalho, desde disparidades salariais até limitações de oportunidades de crescimento e discriminação”, afirma. “É fundamental destacar esses problemas no Dia Internacional da Mulher para promover a conscientização e o diálogo sobre a importância da igualdade de gênero. Ao reconhecer e enfrentar as dificuldades que as mulheres enfrentam no trabalho, podemos trabalhar juntos para criar um ambiente mais inclusivo, diversificado e igualitário.”
Para Anna, ainda há muitos obstáculos na vida das mulheres, como o ingresso em instituições de ensino, o crescimento profissional e a tomada de decisões sobre sua própria reprodução. “Essas barreiras não apenas afetam o bem-estar e o progresso das mulheres individualmente, mas também impactam a sociedade como um todo. Promover a igualdade de gênero no local de trabalho não é apenas uma questão de justiça, mas também é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa”, reflete.
Franco-portuguesa com experiências em países como Portugal, Costa Rica, França e Brasil, Anna faz parte de uma geração que já conta com mais representatividade feminina em cargos de liderança e que vem quebrando estereótipos de gênero em diversas áreas; por outro lado, ela vê que ainda é necessária a conscientização sobre as batalhas que as mulheres travam diariamente. “A França se tornou o primeiro país do mundo a incluir o direito da mulher ao aborto na Constituição dia 4 de março de 2024. Que esta data sirva como um lembrete do progresso feito até agora e como um chamado à ação para construir um futuro mais igualitário para todas as mulheres. A batalha ainda é longa, mas, juntas, podemos conseguir!”